QUEM É QUE CUSPIU NA SUA CABEÇA?
Tudo em mim e tudo em minha vida sempre seguiu os passos de quem antes veio para que hoje eu fosse: mesmo sem saber (e ver) fui guiado por mãos, pés e ventres pretos a caminhos nunca imaginados de percorrer. Com isso quero dizer que, o que determinará a nossa jornada em busca da glória de nosso povo enquanto africanos, em diáspora ou em continente, é se anteriormente pudermos nos colocar em silêncio para ser escuta das vozes ancestrais: pois é o resultado dessa escuta que possibilitará ser a nossa fala uma potência e(m) ação, o nosso sonho a resultado de uma realidade, e nosso porvir a encruzilhada da nossa existência. Makota Valdina diz-nos que para as cosmologias dos povos Bantu, “quando a gente fala, fala o que antes foi pensado e alguém ouve ainda que a gente não veja (...)”, pois “a palavra é algo muito importante, seja ela dita, rezada ou cantada”. Passemos a encarar o fato de que somos decorrência de palavras e corpos a pungir na frequência de uma continuidade em encruzilhada que não tem fim, em que para que voltemos a ser o que (nunca) deixamos de ser, é preciso redirecionarmos a elas: que nos geram e geram verbos, corpos, encontros, tempos e energias.
Para que essas vozes continuem a nos indicar para onde ir, ao passo que nos faz ser o próprio caminho da redenção, tenho a palavra como semente que brota, germina e da o de comer. Assumo, por isso, a palavra como o principal fundamento, fundamento que assenta em nós o sofro, o nome, o ser e estar e a humanidade. Bem, quando penso “quem é a fonte que fundamenta a minha palavra-ação”, logo me vem o Candomblé – aldeia Africana em toda a sua estrutura – que me faz ser silêncio para que todos os dias (em humildade) eu escute as vozes que Makota Valdina sabiamente indicou que a todo instante nos circunscreve. E assim, será com os nossos, em estado de Quilombismo, África em diáspora, que iremos/precisaremos reaprendender a andar: a partir dos esteios que nos legam a pisa firma para que não caiamos mais. E é isso que acredito que Abdias também nos disse quando propôs a leitura e a construção de um Estado Quilombista, chamando a atenção, sobretudo, para o lócus de onde é que vamos tirar o nosso fundamento para sermos, refazermos e empreitarmos as diretrizes de nossas vidas.
Com isso, convido, a todos a nós, nos perguntarmos quais são os fundamentos e quais são as vozes (os exemplos) que tomamos para nós nas aplicações políticas-ideológicas na construção de nossas organizações. Digo isso, pois é um erro insistirmos em construções políticas se essas estiverem distantes dos verbos de nossos Kota, de nossas crianças e de nossos caminhos e espaços de potência. A minha pretensão com este meu primeiro texto para a Revista é um convite para que voltemos para as nossas casas, aos pés de nossas/os velhas/os, pois é preciso entender que é lá que vamos de fato propor revolução em chão firme preparado muito antes de termos pés para pisarmos. O convite para a reflexão parte por isso da urgência, aqui no Brasil, de que nosso povo esteja novamente em massa se organizando e sendo organizado pelo único esteio capaz de encarrilhar novamente a nossa existência, que são as nossas Casas de Axé. Integro ser de Axé a possibilidade da restituição e da proposição mais firme de organizações, em que essas serão centradas e alimentadas especificamente em terra e lama viva: mutoto onde pisamos certos de que cada passo é guiado e orientado por quem veio antes.
A régua e o compasso já foram dados, passemos a entender, portanto, a palavra como fundamento no sentido de comprometimento e continuidade, compreendida em toda a sua complexidade na semântica a qual os Candomblés, os Quilombos e toda e qualquer organização africana, rente a centralidade de nossa existência, nos lega. Que novamente nos coloquemos assentados nesses ibás de nossa história (convite desta reflexão), nos propondo a escutar os mais velhos para que as frequências que nos colocarmos a assoprar não estejam desafixadas de um comportamento sagrado e espiritual, comprometida com e pela nossa raça e respaldada em construções milenares que sempre deram certo. É isso que é ser quilombista, um pan-africano. É preciso que façamos valer dessas vozes e espaços, que em essência nos forma, organiza e fortalece, para que não caiamos em contradição nos recolonizando em falsas promessas ocidentais. Ter fundamento na fala e no ato é, portanto, ter pés, mãos e cabeças depositadas em um todo espiritual que forma e que nos mostra o caminho e que ao mesmo Tempo é a Cura do caminhar (é o que é Njila, a Cura do Caminho). E é nessa composição que convido-os a(re) pensar as nossas organizações:
Escutemos os nossos mais velhos, escutemos e sintamos as frequências de nossos Nganga tocando em nossa Muxima. Sejamos gratos pelos Axés-verbais que fazem passado presente, presente passado, futuro o agora, e todos esses Tempos serem um só. Não adianta empreitarmos lutas, se espiritualmente estivermos fracos de fundamento. Empoderamento é poder ser Kânda e com ela ser Muthu, filho de Nzambi, para nunca mais ser um qualquer escravizado. A partir de que lugar você se forma, fortalece e se frequência?
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